Capítulo 15 - Confronto na Escuridão
A raiva ainda queimava dentro de Stela quando ela retornou para casa. O jornal dobrado com força entre seus dedos era uma prova do ultraje que sofrera. Philip não apenas desaparecera de sua vida, mas agora tentava vendê-la como uma mercadoria, como se ela fosse um fardo que precisava ser transferido para outro homem.
Seu estômago se revirava com o insulto. Por mais que tentasse compreender suas intenções, não conseguia aceitar. Como ele ousava? Como ele podia achar que tinha o direito de decidir seu futuro?
Assim que entrou pela porta, Timont correu em sua direção, os olhos brilhando de alegria infantil.
— Stela! Você demorou! — Ele se lançou em seu abraço, e ela ajoelhou-se para envolvê-lo, sentindo o pequeno corpo quente contra o seu. A raiva, por um momento, cedeu espaço à ternura.
Timont estava crescendo rápido. Já não era o bebê que ela embalava no colo quando tudo desmoronou, mas ainda era um menino que precisava dela. Precisava de amor, de proteção. De alguém que não o abandonasse.
— Estou aqui, meu amor — murmurou, afagando os cabelos do irmão. Ela nunca o deixaria. Nunca tomaria uma decisão que não fosse para o bem dos dois.
A noite caiu sobre a casa, envolvendo tudo em um silêncio inquietante. Depois de jantar, Stela ajeitou Timont na cama e foi para seu quarto, mas o sono não veio. A indignação a mantinha desperta, a humilhação do anúncio ainda latejando dentro dela. Philip. Sempre Philip. Ele ocupava seus pensamentos tanto quanto ocupara sua vida nos últimos anos.
Foi então que ouviu.
Um barulho vindo da cozinha. Um som sutil, mas suficiente para fazê-la se erguer na cama, atenta. Seu coração acelerou. Ratos? Gambás? Ou algo pior?
Com o coração batendo forte, levantou-se silenciosamente e deslizou os pés pelo chão frio, pegando o ferro que usava para remexer as brasas da lareira. Se fosse um ladrão, não hesitaria em se defender.
Ela caminhou até a cozinha sem fazer barulho, esgueirando-se pelas sombras. O luar entrava pela janela, projetando uma silhueta masculina no meio do cômodo. Um homem. Alto, de costas para ela, mexendo em algo sobre a mesa.
O sangue de Stela gelou. Ela não pensou.
Com um grito de força, ergueu o ferro e partiu para cima da figura.
Mas antes que pudesse atingi-lo, o homem se virou.
Com um reflexo rápido como o de um soldado treinado, ele segurou seu pulso no ar e a desarmou sem esforço. Mãos fortes. Seguras. Conhecidas.
O ar escapou dos lábios de Stela. Philip.
O luar banhava seu rosto, lançando sombras sobre suas feições. Seus olhos âmbar, agora escurecidos pela penumbra, a encaravam com intensidade. Philip Lancaster estava em sua cozinha.
Os segundos se alongaram, os dois presos naquele instante.
— Sou eu, Stela — disse ele, a voz baixa e rouca.
Seu coração, que antes disparava pelo medo, agora corria por um motivo completamente diferente.
Philip afastou o ferro de suas mãos e a soltou. Ela demorou um momento para processar o que via.
— Então você resolveu dar o ar da graça — disse, a raiva voltando a borbulhar dentro dela. — Mas quer tanto permanecer longe de mim que precisou vir na surdina da noite?
Ele não respondeu imediatamente. Cruzou os braços, os olhos fixos nos dela, como se avaliasse suas reações.
— Não queria alarmá-la — disse enfim. — Apenas precisava buscar algumas coisas minhas. Algumas roupas que ficaram aqui.
Stela soltou uma risada incrédula.
— Então foi só por isso? Depois de tanto tempo sem notícias, sem uma única carta, você volta no meio da noite para buscar roupas? — Ela avançou um passo, a voz carregada de indignação. — Acha que pode simplesmente desaparecer, me vender como uma mercadoria para outro homem e depois voltar aqui como se nada tivesse acontecido?
Os olhos de Philip brilharam com algo perigoso.
— Eu não te vendi. Eu estou garantindo que você tenha um futuro seguro.
— Seguro?! — Ela soltou um riso amargo. — O que lhe dá o direito de decidir meu futuro? A guerra acabou, Philip! Você não tem mais nenhuma obrigação comigo ou com Timont. Eu sou capaz de cuidar de mim mesma. Não preciso de um marido escolhido por você para isso.
A mandíbula de Philip se contraiu.
— Você acha que pode simplesmente escolher qualquer homem para se casar? — Sua voz baixou, tornando-se grave. — Acha que todos têm boas intenções? Eu não vou permitir que você se envolva com um homem que possa te machucar.
Stela ergueu o queixo, enfrentando-o.
— Você não tem esse direito! Eu escolho meu próprio caminho! Se algum dia eu me casar, será por amor, e não porque você decidiu que era a melhor opção.
O silêncio entre os dois ficou pesado. Philip exalava controle, mas algo em sua postura estava prestes a se romper.
Então ela perguntou:
— Por que você não voltou para casa, Philip? Por que foi para a fazenda?
Ele desviou o olhar por um breve instante antes de responder:
— Porque não era de bom tom. Eu não sou sua família de sangue. Se continuasse aqui, as pessoas falariam. Poderiam manchar sua reputação.
Ela deu um passo à frente, o rosto próximo ao dele.
— Eu não me importo com o que falam. Eu não preciso de um homem me tutelando, Philip. Você me enxerga como uma menina indefesa, mas eu não sou!
Ele apertou os punhos, respirando fundo, e quando respondeu, sua voz era mais grave, carregada de algo que ela não esperava.
— Eu não te enxergo como uma menina, Stela.
Ela piscou, surpresa. Seu coração bateu contra o peito.
— Ah, enxerga sim — desafiou. — Se não, não estaria me forçando a um casamento com um desconhecido só para aliviar sua consciência.
Philip avançou um passo, diminuindo ainda mais a distância entre eles, invadindo seu espaço pessoal. O cheiro dele — uma mistura de couro, madeira e algo inebriantemente masculino — envolveu Stela, deixando-a momentaneamente atordoada. Sua voz foi baixa, quase um sussurro.
— Eu te enxergo como mulher.
O ar entre eles pareceu eletrizar-se. O peso daquelas palavras caiu sobre Stela com força. Philip não estava apenas falando do fato de ela ser adulta. Ele falava dela como mulher. Como algo que ele enxergava e que parecia desejar.
Ela sentiu o calor subir pelo corpo, mas manteve o olhar fixo nele.
Philip desviou o olhar por um instante, recuando para trás e respirando fundo antes de continuar:
— Você não entende, Stela. Eu não posso mais dividir um teto com você. Eu sou um homem, dez anos mais velho que você. Eu não sou seu irmão, não sou seu pai. Sou um homem vivendo com uma mulher sem que haja laços matrimoniais. Isso é errado. Perante a sociedade e... perante a mim.
Os olhos de Stela se arregalaram. Philip parecia estar lutando contra algo. Algo que ia além da responsabilidade.
E pela primeira vez, ela percebeu que talvez... ele não estivesse se afastando dela por obrigação.
Talvez estivesse se afastando porque queria ficar.
— Já disse que não preciso de um homem para cuidar de mim e Timont — a voz de Stela rompeu o silêncio, firme, carregada de convicção. — Ou você realmente acha que não sou capaz de me cuidar sozinha? O que imagina que fiz todos esses anos, sendo ainda mais jovem e com uma criança de colo? Meu pai já estava na guerra e eu já ficava sozinha antes mesmo de ele partir para sempre. Nunca precisei... e não vai ser agora que preciso de alguém para tomar conta de mim. Veja se estou precisando de um homem, Philip!
Philip inclinou levemente a cabeça, os olhos âmbar a estudando no silêncio carregado de tensão. Então, arqueou um dos cantos dos lábios, um sorriso sombrio e cético, e murmurou:
— E se não fosse eu hoje aqui na sua cozinha? Se fosse um ladrão... ou um homem com más intenções, quem te defenderia?
Stela ergueu o queixo em desafio.
— Eu mesma!
Philip riu. Um riso rouco, curto, carregado de descrença.
— Nem nos seus maiores sonhos você seria capaz de golpear alguém... — Ele fez uma pausa, e seu olhar tornou-se mais escuro, mais intenso, quando acrescentou em um tom grave — Você é doce demais para isso.
As palavras a atingiram como uma brisa quente e perigosa, arrepiando-lhe a pele, e por um momento ela perdeu o fio da discussão. Mas recuperou-se rápido, mantendo o olhar firme no dele, dando um passo à frente.
— Retire o anúncio do jornal — exigiu, com os olhos faiscando. — Você não é meu pai, não manda em mim e eu não vou me casar. Esqueça-me, vá embora. Sairei de sua casa ainda esta semana.
Philip deu um passo para trás, como se quisesse criar uma barreira invisível entre os dois. Mas Stela avançava, impetuosa, enquanto ele recuava, como se travassem uma dança silenciosa e perigosa, onde nenhum deles parecia disposto a ceder primeiro.
— E vai morar onde? Esqueceu que sua casa ruiu com a guerra? — ele questionou, a voz mais áspera.
Stela sentiu o rosto corar de raiva e avançou mais um passo. Philip, por sua vez, ergueu a mão levemente no ar, como se aquilo fosse suficiente para contê-la.
— Pare de se aproximar, Stela. Por favor.
Ela parou, surpresa. O pedido não era uma ordem... era um alerta. Uma súplica.
— Senão o quê? — desafiou, sem recuar. — Vai fazer o quê, Philip? Está com medo de uma mulher?
Ela avançou mais um passo. Sentiu a respiração dele roçar contra sua pele.
Philip fechou os olhos por um instante, como se lutasse contra algo dentro de si. Quando voltou a encará-la, sua voz saiu baixa, quase um sussurro carregado de tensão.
— Você não compreende... Se afaste, ou eu não serei capaz de...
— De quê? — a pergunta saiu em um sussurro.
— De me conter — ele murmurou, a voz densa e carregada de algo que Stela não soube decifrar. Philip prendeu a respiração, fechando os punhos ao lado do corpo, como se lutasse consigo mesmo. Então tudo se desfez.
Com um único movimento, ele passou um braço por sua cintura e a puxou para si. O choque do contato fez os olhos de Stela se arregalarem em surpresa, desespero e algo mais... algo quente e arrebatador se misturara dentro dela. Philip desceu o olhar de seus olhos para sua boca, hesitante por um breve instante. Então, sem qualquer outro aviso, tomou seus lábios com intensidade.
O primeiro toque foi firme, faminto. Ele se afastou apenas o suficiente para sentir a respiração ofegante de Stela contra seus próprios lábios. Quando a sentiu arfar, Philip a beijou novamente, dessa vez aprofundando o contato, cruzando a barreira de seus lábios. Stela sentiu o mundo girar enquanto Philip tomava posse de sua boca com uma fome voraz. Suas línguas se encontraram, dançando em um ritmo primitivo e desesperado. Ela gemeu baixinho, incapaz de conter a onda de sensações que a percorria, enquanto suas mãos se perdiam nos cabelos encaracolados dele, puxando-o para mais perto.
O corpo de Stela fraquejou. Sentiu as pernas vacilarem e Philip, como se previsse cada um de seus movimentos, antecipou-se. Ergueu-a em seus braços e a sentou sobre a bancada da cozinha, encaixando-se entre suas pernas. Stela sentiu o corpo quente e sólido dele pressioná-la, a rigidez inconfundível roçando contra sua intimidade.
Ela gemeu baixinho, entreabriu os lábios contra os dele, os dedos se perdendo em seus cabelos encaracolados. Philip respondeu descendo as mãos por sua cintura, apertando-lhe as coxas com posse. Ela era suave, quente, e Deus do céu, ele a queria.
Porém, no instante seguinte, como se fosse atingido por uma rajada de realidade, Philip congelou.
Ele se afastou bruscamente, respirando pesado, os olhos arregalados. Passou as mãos pelos cabelos desgrenhados, visivelmente transtornado.
— Me perdoe — murmurou, a voz áspera.
Stela ficou imóvel, ainda sentada na bancada, o corpo vibrando com a lembrança do toque dele. Seus olhos se fixaram nele, e por um instante, um brilho de vulnerabilidade passou por seu rosto.
Philip viu. E aquilo o destruiu.
— O quê...? — ele começou, mas as palavras não vieram.
— Foi tão ruim assim? — Stela perguntou, sua voz baixa, incerta.
Philip sentiu o peito apertar. Foi então que percebeu. Ele acabara de lhe dar seu primeiro beijo.
Lembrou-se das cartas. Das palavras que ela escrevera, confessando nunca ter se envolvido com ninguém. Ele não deveria ter feito isso.
A culpa caiu sobre ele como um peso esmagador.
Passou as mãos pelo rosto, desconfortável, agitado. Que tipo de homem era ele?
— Stela, me perdoe... — sussurrou. — Você não merecia isso. Merecia um homem que lhe desse um beijo digno, terno, repleto de amor... e não esse desespero impuro que lhe ofereci. Eu... lhe arranquei a ternura dos olhos.
O olhar de Stela ficou ainda mais perdido. Não era arrependimento o que a feria, mas algo mais profundo.
— Eu não estou triste porque nos beijamos... — murmurou. — Estou triste porque não sei se fui boa o suficiente.
Philip soltou um riso baixo e descrente, passando os dedos pelos lábios ainda quentes do beijo. Seu corpo ardia. A incredulidade da inocência dela era um golpe cruel. Ela não sabia o quanto ele a desejava. Não fazia ideia do que havia despertado nele e do quão perfeita ela era.
Esse era o problema. Ele a necessitava, lutava para recuperar o controle, mas era inútil. O cheiro dela — doce e floral, com um toque de algo indescritivelmente feminino — ainda estava impregnado em suas mãos, em sua mente. Ele queria mais. Queria tomá-la ali mesmo, naquela cozinha, sem se importar com as consequências. Mas sabia que não podia. Não devia...
Philip deu um passo para trás, depois outro. Precisava se afastar. Agora.
Sem dizer mais nada, virou-se e saiu como uma sombra na calada da noite, deixando Stela sozinha sobre a bancada, o corpo ainda quente de desejo por ele... e o coração completamente atordoado.