Capítulo 18 - O Confronto
A jornada até a fazenda Lancaster foi feita sob um céu acinzentado, onde nuvens densas prometiam chuva a qualquer momento. O vento gelado cortava-lhe o rosto, mas Stela mal o sentia. Seu coração ardia em brasas, impulsionando cada passo decidido que dava pelo caminho de terra úmida e irregular. Philip Lancaster precisava ouvi-la.
Quando finalmente divisou a grande propriedade, seus olhos percorreram o cenário à sua frente. A casa principal se erguia imponente contra o céu nublado, sólida e silenciosa, cercada por campos vastos e cavalos que pastavam tranquilamente. Tudo naquele lugar exalava estabilidade e tradição, como se ali o tempo passasse de forma diferente, indiferente ao tumulto que se instalara dentro dela.
Ela não hesitou. Cruzou o portão sem pedir permissão e marchou até a porta.
Philip estava no estábulo, ajeitando a cela de um dos cavalos, quando ouviu vozes abafadas vindas da casa. Henry e William, seus irmãos, pareciam debater algo com alguém. Franziu o cenho, largando o que fazia e caminhando para fora. Assim que se aproximou, a voz que ecoou pela entrada fez seu corpo enrijecer de imediato.
— Não vim aqui para conversar com vocês. Preciso falar com ele.
Philip parou na soleira da porta e ali estava ela. Stela Whitmore.
Seu rosto estava ruborizado pelo frio, os cabelos ruivos ligeiramente desarrumados pelo vento, e os olhos... ah, aqueles olhos verdes faiscavam de fúria contida.
Os irmãos de Philip lançaram-lhe um olhar carregado de curiosidade, mas ele ignorou. Inspirou fundo antes de falar, mantendo a voz neutra.
— O que está fazendo aqui, Stela?
Ela se virou para ele de imediato, os olhos se fixando nos dele como lâminas afiadas.
— O que estou fazendo aqui? — repetiu, sua voz carregada de incredulidade. — Acho que a pergunta mais apropriada seria o que você pensa que está fazendo, Philip?
Philip apertou os lábios em uma linha tensa. Ele sabia exatamente a que ela se referia.
— Não é uma conversa que devemos ter aqui — disse, lançando um olhar para os irmãos, que não escondiam o interesse na cena. — Venha comigo.
Stela, ainda tomada pela raiva, hesitou por um breve momento, mas o seguiu para fora, para longe dos olhares atentos. Caminharam até um pequeno pomar nos fundos da casa, onde o vento sacudia as árvores secas do inverno. Ele virou-se para encará-la, cruzando os braços.
— Diga o que veio dizer.
Stela deu um passo à frente, seu olhar cravado no dele.
— Como você pôde? — Sua voz não tremia, mas havia uma dor latente por trás das palavras. — Como pôde me humilhar daquela maneira? Enviar um estranho à minha casa como se eu fosse uma qualquer, esperando ser escolhida? Você tem ideia do que fez comigo?
Philip sustentou seu olhar, mas algo nele se remexeu ao ver a mágoa transbordando por trás da fúria. Ele esperava que ela ficasse irritada, mas não esperava essa dor.
— Meu único objetivo era garantir que você tivesse um futuro seguro, Stela. — Sua voz era controlada, mas havia um peso naquelas palavras. — Você merece um lar, um marido que possa cuidar de você e de Timont. Alguém que possa lhe dar tudo o que eu não posso.
— Você sequer me perguntou o que eu queria! — ela rebateu, exasperada. — Desde quando minha vida se tornou uma decisão exclusivamente sua? Eu não preciso de um marido, muito menos de um que você escolheu para mim! Eu sei me cuidar sozinha, Philip.
— Será? — Ele deu um passo adiante, sua expressão se tornando mais intensa. — Se eu não tivesse aparecido naquela noite na sua cozinha, o que teria acontecido? Você sequer teria conseguido se defender se fosse outra pessoa ali, e não eu.
— E o que isso prova? Que sou incapaz? — Ela ergueu o queixo. — Ou que você apenas acredita que sempre sabe o que é melhor para mim?
Philip exalou um suspiro cansado, passando a mão pelos cabelos.
— Eu só queria protegê-la, Stela.
— Proteger-me de quê? — Sua voz era mais baixa agora, quase um sussurro. — De mim mesma? De você?
O silêncio se prolongou entre eles. O vento agitava os fios ruivos de Stela, e Philip teve que desviar o olhar. Ela era jovem demais, ingênua demais... e ele, um tolo por sentir o que sentia.
— Eu sou muito mais velho que você. — Ele falou com dificuldade, como se precisasse dizer aquilo em voz alta para convencê-la... ou a si mesmo. — E sou o seu guardião. O homem que prometeu cuidar de você, não desejar você.
Stela piscou, atordoada. Ela não esperava aquela declaração. O beijo a deixara confusa, mas Philip tentar casá-la com outro homem não lhe parecia um ato de desejo, e sim de alguém que queria se livrar de um problema. Como poderia acreditar que ele realmente a queria, quando suas ações demonstravam o contrário?
— E se eu não quiser que me veja como uma responsabilidade? — Ela perguntou, a voz quase inaudível. — E se eu quiser que me veja como mulher?
Philip fechou os olhos por um instante, como se absorvesse o impacto daquelas palavras. Quando voltou a encará-la, havia algo nos olhos âmbar, algo contido, algo desesperado. Mas então, ele endureceu a expressão e balançou a cabeça.
— Você não sabe o que está dizendo, Stela. Nunca amou ninguém, nunca conheceu outro homem. Como pode saber o que quer?
Ela sentiu a indignação ferver dentro de si.
— E você sabe? — rebateu, sua voz carregada de emoção. — Você acha que sou tão ingênua assim? Que sou uma criança incapaz de entender o que sente? Talvez você seja o único que não quer enxergar.
Philip permaneceu imóvel. Cada palavra dela era uma fissura em sua resolução.
Então, sem dizer mais nada, ele virou-se e começou a se afastar.
Stela sentiu uma onda de frustração subir por seu peito. Não. Ele não poderia fugir desta vez.
— Você pode continuar tentando me afastar, Philip Lancaster — disse ela, elevando a voz. — Mas saiba que sua distância diz mais do que qualquer palavra. Eu nunca esperei nada de você, mas também não esperava que me descartasse como se eu fosse um fardo. Talvez um dia, quando perceber o que deixou para trás, já não haja mais tempo para voltar.
Ele parou, os ombros rígidos. Mas não se virou.
Stela sentiu as lágrimas arderem em seus olhos, mas não permitiria que caíssem. Não por ele. Não mais.
Virou-se e caminhou de volta à estrada, sem olhar para trás.
Philip ficou ali, parado, com a brisa fria cortando seu rosto. O peito apertado, os olhos fixos no chão.
Ele não soube dizer por quanto tempo ficou ali.
Mas sabia que, talvez pela primeira vez, o receio que lhe apertava o peito não fosse o de desonrar sua palavra.
Era de perdê-la para sempre.