Capítulo 20 - O Baile de Outono

A vila preparava-se para o tradicional Baile de Outono, um evento que acontecia todos os anos, reunindo famílias, casais e aqueles que buscavam um novo começo após tempos difíceis. Com o fim da guerra, a festividade ganhava um significado ainda maior—um suspiro de alívio para os que sobreviveram e uma tentativa de esquecer, ao menos por uma noite, as cicatrizes deixadas pelo conflito.

Stela, no entanto, hesitava em ir. A mera ideia de estar em meio a pessoas que a observavam com curiosidade por causa do anúncio no jornal a incomodava profundamente. Mas, em seu íntimo, sabia que havia um motivo mais forte para sua hesitação: Philip poderia estar lá.

E se estivesse, ele a veria.

Após longo debate consigo mesma, decidiu que não permitiria que receios indefinidos a privassem de viver. Era uma tolice fugir de alguém que, no fim das contas, jamais a perseguira. E assim, naquela noite, diante do espelho, vestiu-se com um vestido azul profundo, tão elegante quanto modesto, os cabelos presos de forma simples, mas graciosa. Suas mãos estavam trêmulas ao ajustar os últimos detalhes. Por que aquilo parecia um duelo silencioso e não apenas uma festa?

A chegada ao salão iluminado por lustres antigos trouxe consigo uma inquietação inesperada. Ele estava ali.

Philip permanecia próximo à lateral do salão, vestindo um terno escuro que realçava sua postura impecável. Stela nunca o vira assim. Sempre o conhecera em roupas triviais—camisas de linho e calças leves quando estava em casa, ou a farda impecável do exército, e da ultima vez que o vira, notou as vestes gastas e puídas que denunciavam a lida na fazenda Lancaster. Mas ali, sob a luz dos lustres, ele parecia diferente. Majestoso. A sofisticação dos trajes formais apenas destacava o porte firme, os ombros largos, a expressão grave e inescrutável. Uma onda de calor lhe subiu ao rosto, algo entre o desconforto e um reconhecimento novo e perturbador. Até que seus olhos pousaram nela.

Stela sentiu o impacto imediato. Ele não desviou o olhar, e tampouco ela. Um silêncio denso se formou entre os dois, mesmo com a música animada e as conversas ao redor.

Ela não sabia o que esperava dele, mas o fato de que ele sequer esboçava um movimento era um ultraje silencioso. Como podia ele permanecer tão imóvel quando o próprio ar entre eles parecia carregado de lembranças e palavras não ditas?

A frustração ferveu dentro dela. Se ele achava que podia continuar ignorando tudo o que acontecera entre eles, estava enganado.

Foi então que ouviu uma voz aveludada e distinta chamando seu nome—Edmund Crawford, o mesmo cavalheiro que tempos atrás se apresentara em sua porta com pretensões matrimoniais.

— Senhorita Whitmore — disse ele, inclinando a cabeça num gesto cortês. — Está encantadora esta noite. Gostaria de me conceder a honra desta dança?

Philip permanecia estoico, os olhos âmbar cravados nela, a expressão ilegível, mas os ombros rígidos revelando o que a boca não dizia. Stela sabia disso. E por um breve instante, uma ideia tomou forma em sua mente.

Esboçando um sorriso contido, ela inclinou levemente a cabeça antes de aceitar a mão de Crawford. — Será um prazer, senhor Crawford.

A dança transcorreu sem imprevistos. Edmund era um cavalheiro decente, ainda que seu tom de voz carregasse a condescendência que tanto a irritava. Mas Stela mal o ouvia. Seus pensamentos estavam fixos no homem que a observava do outro lado do salão.

E então, quando Crawford passou as mãos por suas cinturas, para mais um giro, como se aquele simples toque fosse uma afronta imperdoável, Philip finalmente se moveu. Seu passo foi deliberado, sua intenção irrefutável.

Ele atravessou o salão marchando, sem hesitação.

Quando parou ao lado do casal, sua presença era imponente. Seu olhar âmbar estava carregado de algo que ia além do desconforto—era posse, era algo primitivo, algo que ele próprio não queria sentir.

— Peço desculpas pela interrupção — sua voz soou educada, mas seu tom era inegociável. — Stela, preciso falar com você.

Crawford franziu o cenho, incomodado.

— Estamos no meio de uma dança, senhor Lancaster.

Philip manteve os olhos em Stela.

— Teria a bondade de aguardar o término da dança, senhor Lancaster? — Edmund questionou, um sorriso tenso desenhando-se em seus lábios.

— Na verdade, não — Philip respondeu, e então ofereceu a mão para Stela. Não um pedido. Um chamado.

Por um momento, tudo pareceu parar. Era uma escolha.

Stela hesitou por um instante fugaz, sentindo-se entre dois mundos. Mas então, num gesto calmo e irrevogável, soltou a mão de Edmund.

— Com licença — murmurou, antes de se afastar ao lado de Philip.

Do lado de fora, a brisa fria da noite fez Stela se encolher levemente, mas Philip não parecia notar o frio. Ele parecia consumir-se por dentro.

— O que pensa que está fazendo? — ela perguntou, cruzando os braços, a raiva e a adrenalina ainda pulsando em suas veias.

Philip esfregou a mão no rosto antes de encará-la.

— Você realmente espera que eu fique inerte enquanto outro homem a corteja como se eu fosse um mero espectador do que sempre foi meu dever guardar? — Sua voz carregava algo sombrio, algo contido por tempo demais.

— E se eu quisesse? — Ela ergueu o queixo. — Você mesmo disse que eu deveria encontrar alguém mais adequado para mim. Não é isso que estou fazendo?

Philip deu um passo à frente, e ela sentiu a intensidade em seu olhar.

— Não brinque comigo, Stela. Não faça isso.

— Eu não estou brincando — rebateu. — Estou tentando entender. Você me quer longe, mas não suporta me ver com outro. O que isso significa, Philip? Porque, até agora, só vejo um homem que me afasta sempre que pode, mas que aparece quando outro se aproxima.

Philip cerrou os punhos ao lado do corpo.

— Significa que sou seu guardião e que tenho o dever de protegê-la.

— É só isso? — Stela deu um passo mais próximo, estreitando os olhos. — Porque não parecia ser só isso quando me beijou naquela noite.

Philip desviou o olhar, o maxilar tenso.

— Vamos. Eu a levarei para casa. — Sua voz saiu mais baixa, mas ainda firme.

Stela inclinou levemente a cabeça, um sorriso irônico dançando em seus lábios.

— Você não pode resolver tudo dessa forma.

— Não vou deixá-la voltar sozinha — respondeu, já se afastando para onde sua caminhonete estava estacionada, um Ford Truck da década de 40.

Um homem poderia até lutar contra seus sentimentos, mas jamais lutaria contra seus instintos.

Stela hesitou. Ainda sentia a indignação fervendo dentro de si. Mas sabia que ele era irredutível. Suspirando, seguiu-o até o veículo.

A viagem foi silenciosa. O motor rugia na estrada vazia, mas nenhuma palavra foi dita. Stela mantinha os braços cruzados, o olhar fixo na paisagem escura, enquanto Philip dirigia com a mandíbula tensa.

Quando finalmente chegaram, ele desligou o motor, mas não fez menção de se mover.

— Você é exaustivo, Philip Lancaster — disse ela, rompendo o silêncio.

Ele soltou um suspiro pesado.

— Eu sei.

Ela o encarou, esperando algo mais. Mas Philip apenas manteve as mãos firmes no volante, como se aquele simples gesto fosse a única coisa impedindo-o de fazer algo que não deveria.

Stela saiu do carro e fechou a porta com um pouco mais de força do que necessário. Ele não a impediu.

Mas a tensão no ar permaneceu. Porque agora, mais do que nunca, ambos sabiam que algo entre eles estava prestes a se romper.

E dessa vez, nenhum dos dois parecia capaz de impedir.

© 2025 Histórias Românticas. Todos os direitos reservados
Onde cada página é um convite para sentir, sonhar e se apaixonar.
© 2025 Histórias Românticas. Todos os direitos reservados
Onde cada página é um convite para sentir, sonhar e se apaixonar.
© 2025 Histórias Românticas. Todos os direitos reservados
Onde cada página é um convite para sentir, sonhar e se apaixonar.