Capítulo 8 - Ecos da Guerra
O cheiro de pólvora impregnava o ar, misturado ao frio cortante que se infiltrava por entre os uniformes sujos e rasgados. O solo era lamacento, marcado por crateras de explosões recentes, e o céu cinzento parecia pesar sobre os ombros dos soldados. Philip caminhava entre as trincheiras, os olhos atentos a cada movimento, cada ruído. O inimigo estava perto, mas não tão perto quanto a sensação crescente de que aquele inferno, finalmente, chegava ao fim.
A guerra estava em seus últimos atos. Os soviéticos já cercavam Berlim, os americanos avançavam de um lado, os britânicos de outro. Hitler estava acuado em um bunker, e a rendição da Alemanha era iminente. Mas até que isso acontecesse, o campo de batalha ainda clamava por sangue. Ainda havia missões. Ainda havia tiros. Ainda havia morte.
Philip aprendera a ignorar o medo. A guerra o moldara, tornando-o mais resistente, mais calado, mais endurecido. Mas, naquela noite, enquanto limpava sua arma e observava os outros soldados tentando descansar em meio ao caos, sua mente traiu seu próprio treinamento.
Ele pensou em casa.
Pensou no cheiro da madeira queimando na lareira. No som do lápis riscando o papel quando Stela lhe deixava bilhetes ao lado do chá. Na risada de Timont, sempre correndo pela casa. Em como Stela mordia o lábio quando estava concentrada, ou em como sua voz ficava mais suave quando falava com o irmão. Em como seus cabelos ruivos brilhavam à luz do fogo, e em como seus olhos verdes pareciam sempre carregados de algo que ele nunca ousava decifrar.
Sentiu um aperto no peito. Um calor estranho e incômodo.
Philip nunca permitira distrações durante a guerra. Mas ali, naquela noite silenciosa, percebeu que a lembrança de Stela era a única coisa que ainda o fazia se sentir humano.
Sem pensar muito, pegou um pedaço de papel amassado e um lápis. Escrever nunca fora seu forte, mas precisava de um fio de normalidade no meio daquele inferno.
Stela,
A guerra segue, mas está perto do fim. O avanço é constante, e dizem que Berlim pode cair a qualquer momento. Espero que estejam bem. Como está Timont? Ele continua perguntando demais?
Tenho pensado muito em casa. O silêncio daqui é diferente. É vazio. Espero que estejam seguros. Escreva-me se puder.
Philip.
Dobrou o papel e entregou a um soldado encarregado das correspondências. Ele não esperava uma resposta. Não sabia sequer se a carta chegaria ao destino. Mas sentiu-se um pouco mais leve ao enviá-la.
A carta chegou três semanas depois.
Stela estava cortando pão na cozinha quando Timont correu até ela, ofegante, segurando um envelope amassado.
— Stela! É do Philip! Ele escreveu! — os olhos do menino brilhavam de empolgação.
O coração de Stela disparou. Limpando as mãos no avental, pegou o envelope com dedos hesitantes. O selo militar denunciava a origem, e a caligrafia firme fez seu peito apertar.
Abriu com cuidado, como se o papel fosse frágil demais para ser manuseado com pressa. Seus olhos correram pelas palavras, e algo dentro dela se aqueceu. Philip estava vivo. Philip estava bem.
Mas, além disso, ele pensara neles.
Ao terminar de ler, Stela segurou a carta contra o peito por um instante, fechando os olhos. Depois, respirou fundo e pegou um papel e lápis. Sua resposta precisava ser enviada antes que fosse tarde demais.
Philip,
Fiquei feliz por receber sua carta. Timont pulou pela casa o dia inteiro segurando o envelope antes de me deixar abrir. Ele sente sua falta. Eu... também sinto.
A casa continua a mesma. Tenho mantido tudo arrumado, como você gosta. O tempo está mais frio agora, e Timont insiste em dizer que você voltará antes da primavera. Espero que ele esteja certo.
E você? Está se cuidando? Não se esqueça de comer bem e tentar descansar quando puder. Sei que isso parece um conselho bobo em meio à guerra, mas preciso dizer.
Escreva novamente quando puder.
Stela.
Quando terminou a carta, Stela a releu, sentindo as palavras carregadas de algo que ela não queria nomear. Dobrando o papel com cuidado, selou o envelope e o entregou ao carteiro da vila, sentindo o coração bater mais rápido ao vê-lo partir.
Agora, restava esperar.