Capítulo 11 - O Fim da Guerra e a Decisão de Philip
A notícia veio como um trovão cortando o céu cinzento. A guerra havia terminado.
Os rumores já circulavam pelo acampamento há dias, mas naquela manhã, a confirmação chegou. Era 8 de maio de 1945, e o rádio da base inglesa ecoava a voz do primeiro-ministro Winston Churchill anunciando a rendição incondicional da Alemanha. A Segunda Guerra Mundial finalmente havia chegado ao fim na Europa. Berlim estava em ruínas, Hitler morto, e os Aliados haviam triunfado.
A base entrou em êxtase.
Soldados jogaram seus capacetes para o alto, abraçavam-se, riam, gritavam, choravam. O som de tiros para o alto misturava-se ao coro de vozes celebrando a vitória. O álcool apareceu de repente, garrafas sendo passadas de mão em mão, e a euforia tomou conta do acampamento. Muitos haviam sobrevivido contra todas as probabilidades, e aquela era a noite de extravasar tudo.
Mas Philip não estava do lado de fora.
Ele permaneceu dentro da tenda, sentado em sua cama improvisada, segurando um envelope entre os dedos. A carta de Stela. A ansiedade pesava no peito enquanto seus olhos corriam pelas palavras escritas por aquela caligrafia que ele conhecia tão bem. Cada frase carregava um pedaço dela, de sua doçura, de sua inocência. Sentiu um nó apertar sua garganta.
Carta de Stela
Philip,
Suas palavras sempre me trazem conforto, mesmo quando não sei bem como responder. Recebi sua última carta e, enquanto lia, senti como se você estivesse aqui, ao meu lado, falando em voz baixa enquanto o fogo crepitava na lareira.
Sei que a guerra está chegando ao fim. As notícias correm pelas ruas, os olhares carregam uma esperança que há muito tempo não víamos. Londres está mais silenciosa, como se esperasse por algo. E eu espero que seja verdade.
Timont pergunta de você todos os dias. Ele me viu escrevendo esta carta e insistiu para que eu dissesse que ainda guarda o estilingue que você lhe deu. Ele quer que você volte logo para ensiná-lo a usá-lo direito. Ele sente sua falta. Eu... também sinto.
Gostaria de poder descrever tudo o que acontece aqui, mas nada parece realmente importante sem você por perto. O tempo passa, mas de alguma forma, parece sempre o mesmo. A única diferença são suas cartas. Elas quebram essa monotonia, trazem cor aos dias. Você disse que meus desenhos carregam um pedaço de mim, mas acho que suas palavras fazem o mesmo. Elas me mostram um lado seu que talvez ninguém mais conheça. E gosto disso.
Espero que esteja bem. Espero que, quando tudo isso acabar, possamos voltar a conversar sem a distância das cartas. Escreva-me logo.
Com carinho, Stela.
Ele deveria estar apenas feliz. A guerra havia acabado. Ele estava indo para casa. Mas, em vez disso, ali estava ele, bufando em inquietação, perdido em algo muito mais complicado do que qualquer batalha que já havia enfrentado. Acabara de ler a carta de Stela e viu como ela estava carregada de carinho—um carinho feminino que ele não recebia há muito tempo, desde que seu noivado com Eleanor se desfez. Era um calor que não se sentia digno de aceitar, mas que, de alguma forma, preenchia um vazio que ele nem sabia que existia.
— O que foi, Lancaster? — A voz de Carter interrompeu seus pensamentos. O soldado entrou na tenda com um sorriso torto, ainda segurando uma garrafa de uísque em uma das mãos. — Todo mundo lá fora está comemorando como se fosse o último dia de suas vidas e você está aqui, com essa cara de viúvo?
Philip não respondeu de imediato. Apenas passou a mão pelo rosto, exausto.
Carter arqueou uma sobrancelha e então seus olhos caíram sobre a carta amassada entre os dedos de Philip. Um sorriso de canto surgiu.
— Ah... já entendi. A mulher.
Philip suspirou e jogou a carta ao lado, apoiando os cotovelos nos joelhos. Não adiantava mais negar.
— Você estava certo — admitiu. — Stela... essa mulher está mexendo comigo.
Carter gargalhou e deu um gole na bebida.
— Eu sabia! Você pode ser um soldado exemplar, mas não é de ferro, Lancaster. Está há meses se correspondendo com ela. Isso estava na cara. — Ele se sentou ao lado de Philip, relaxado. — Então me diga... o que pretende fazer sobre isso?
Philip passou a mão pelos cabelos, frustrado.
— Nada. Eu não posso.
Carter riu, descrente.
— Ora, e por quê? Se me parece que ela sente o mesmo por você, se não fosse assim, não te corresponderia as cartas.
— Ela está sob minha tutela, Carter! Eu prometi ao pai dela que cuidaria dela e do irmão. Ela merece mais do que um soldado desgastado, dez anos mais velho e cheio de fantasmas da guerra.
Carter o observou por um momento e então inclinou a cabeça, pensativo.
— Se é assim que pensa, Lancaster, então você só tem uma opção. Arrume um marido para ela.
Philip franziu a testa.
— O quê?
— Se não quer se envolver, mas também não quer vê-la sozinha, então case-a com alguém honrado. Alguém que possa protegê-la e cuidar dela. Porque, sejamos francos, você não vai conseguir viver com essa mulher debaixo do mesmo teto sem enlouquecer.
As palavras de Carter ecoaram na mente de Philip. Fazia sentido. Se ele não poderia ser o homem de Stela, então encontraria alguém que pudesse. Alguém digno. Alguém que não a desejasse como ele desejava.
— Isso é loucura — murmurou, mas a ideia já estava formada em sua mente.
— Loucura é achar que pode continuar morando com ela sem que algo aconteça — retrucou Carter, dando-lhe um tapa no ombro. — Agora, pare de se torturar e venha comemorar. Tem várias cocotas lá fora esperando para fazer um soldado feliz esta noite. — Ele piscou, rindo.
Philip nunca fora do tipo que se envolvia com as mulheres que rodavam os acampamentos militares. Muitos soldados aproveitavam os momentos fora da linha de combate para afogar os traumas nos braços de desconhecidas, mas Philip sempre evitara esse caminho. Ele tinha seus próprios limites e nunca os ultrapassava.
Mas, naquela noite, aceitou.
Talvez precisasse de um lembrete do que realmente importava. De que Stela não era uma opção.
O bordel era um lugar pequeno e abafado, tomado pelo cheiro forte de perfume barato e tabaco. As mulheres circulavam pelo salão, sorrisos convidativos nos lábios pintados de vermelho, oferecendo-se aos soldados que, embriagados de álcool e alívio pelo fim da guerra, se entregavam facilmente.
Philip sentiu-se deslocado assim que entrou.
Uma jovem loira se aproximou, seus dedos deslizando levemente pelo braço dele.
— Oficial... — murmurou, a voz melosa. — Posso te fazer esquecer da guerra esta noite?
Philip sentiu o corpo enrijecer. O toque, o perfume forte, nada daquilo parecia certo. Nada daquilo o fazia sentir nada.
E então percebeu. Nenhuma daquelas mulheres era Stela.
O pensamento o atingiu como um golpe, e um nó formou-se em seu estômago. Frustrado consigo mesmo, virou-se abruptamente e saiu para o frio da noite.
Acendeu um cigarro, tragando profundamente, tentando organizar sua mente.
Poucos minutos depois, Carter apareceu na porta, encostando-se no batente, observando Philip com um olhar divertido.
— Achei que ia ao menos tentar — comentou.
Philip soltou a fumaça devagar.
— Não era o que eu queria. Nunca foi.
Carter riu, balançando a cabeça.
— É, meu amigo, você está mais ferrado do que pensei. — Então cruzou os braços. — O que vai fazer agora?
Philip jogou o cigarro no chão e o apagou com a bota.
— Vou encontrar um marido para Stela. Assim que voltarmos para Londres, não irei para casa. Ficarei na fazenda de meus pais e colocarei um anúncio no jornal. Preciso garantir que ela esteja segura, com um homem digno, antes que eu me convença de que sou esse homem.
Carter assobiou.
— Então você vai se afastar dela?
Philip assentiu, engolindo em seco.
— Sim. Não posso responder a próxima carta. Quanto mais eu me aproximar, mais difícil será. Stela merece um futuro... e eu não posso dar isso a ela.
Era isso. A decisão estava tomada.
Philip Lancaster não voltaria para casa. Não voltaria para Stela. E, acima de tudo, não olharia para trás.